Investigar os fatores associados ao autismo ainda é um grande desafio para a ciência. E cada vez mais há pesquisas que têm se debruçado sobre o tema. A mais recente foi divulgada na última segunda-feira (31). Publicado na revista científica JAMA Pediatrics, o estudo analisou que bebês meninos que passam ao menos 2 horas por dia utilizando telas (como TV, celular ou tablet) têm cerca de 3 vezes mais chances de serem diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A mesma associação não foi notada entre as meninas.
A análise foi desenvolvida por cientistas da Universidade de Yamanashi, no Japão, e, de acordo com os dados, a exposição excessiva ao uso de telas durante o primeiro ano de vida do bebê está significativamente associada ao diagnóstico de TEA aos 3 anos de idade.
Para chegar a esses resultados, foram analisados dados de cerca de 84 mil crianças japonesas entre o período de janeiro de 2011 a março de 2014. A princípio, os pesquisadores pediram para que pais com filhos de 1 ano de idade respondessem a um questionário sobre a quantidade de tempo que a criança passava utilizando telas. Depois, a mesma pergunta foi feita quando a criança completou 3 anos. Nessa fase, os pais também indicaram se seu filho havia sido diagnosticado dentro do espectro autista.
Do total de crianças analisadas, 330 (ou 0,4%) foram diagnosticadas com autismo aos 3 anos de idade. Dessas, 251 eram meninos e 79 eram meninas, apesar de a distribuição do tempo de tela ter sido semelhante entre os sexos. Os cientistas descobriram também que 90% das crianças tinham sido expostas ao uso de tela antes do primeiro ano de idade — prática que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Academia Americana de Pediatria (AAP) não recomendam.
"Na infância, quando o neurodesenvolvimento está ativo, fatores ambientais, como estimulação elétrica por meio de telas e estimulação luminosa da visão, podem afetar o neurodesenvolvimento", diz o trabalho que, no entanto, não conseguiu esclarecer por que o resultado não foi o mesmo entre as crianças do sexo feminino. "Fatores genéticos podem estar envolvidos nas diferenças sexuais observadas na associação entre TEA e tempo de tela", afirmaram os pesquisadores.
Diante dos achados, os cientistas dizem que mais pesquisas são necessárias para examinar outros fatores que possam estar envolvidos entre o tempo de tela e o transtorno. Mas já fazem uma recomendação: “Com o rápido aumento do uso de dispositivos, é necessário rever seus efeitos na saúde dos bebês e controlar o tempo excessivo de tela”.
O que dizem os especialistas
Para Antonio Carlos de Farias, neurologista infantil do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR), mestre e doutor em neurociência, a associação realizada pelo estudo pode estar ligada à janela do desenvolvimento de linguagem e de comunicação da criança, que até os 2 anos depende de estímulos concretos, como observação, cheiro, toque, sabores... “Uma criança que nasce afetada pelo autismo, com um determinado tipo de mutação que já compromete os circuitos de comunicação e linguagem, terá um prejuízo maior em termos de linguagem se for exposta às telas antes dos 2 anos. Não foi a exposição à tela que tornou essas crianças autistas. Provavelmente a exposição tornou essas crianças a um nivel de autismo mais perceptível”, afirma o especialista.
O médico acrescenta: "O autismo é uma transtorno em que o peso da genética é bem maior do que o contexto ambiental. Mas há, sim, uma interação entre genes e ambiente. Uma criança pode nascer com uma mutação em uma combinação de genes que faça com que ela tenha uma maior vulnerabilidade para o autismo. O ambiente terá um peso importante no sentido de definir a gravidade do autismo, ou seja, a forma como o ambiente interage com esses genes vai determinar se estamos diante de um autismo mais leve ou mais severo”.
Já o professor Alysson Muotri, diretor do Programa de Células-Tronco do Instituto de Medicina Genômica da Universidade da Califórnia, em San Diego, acredita que o resultado pode se dever à maior atração das crianças autistas por telas. “Não podemos falar em causa, o estudo apenas faz uma correlação entre crianças que estão expostas a telas no primeiro ano de vida e as chances delas serem diagnosticadas com autismo mais tarde. A conclusão do estudo é que existe uma correlação. Uma possível explicação é que as crianças que já nasceram autistas têm uma atração maior por telas, e não de que o uso de telas cause autismo. De qualquer forma, essa correlação pode ser explorada como uma evidência de um diagnóstico precoce, até mesmo como um alerta para os pais. É possível que isso possa até virar um biomarcador [indicador de severidade]”, afirma.
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Roni Figueiredo - Coluna Social